Mudanças Climáticas Exigem Inovação de Postura dos Seguros
Roberto Santos sugere que o mercado segurador adote atitudes proativas diante dos extremos do clima, incorporando tecnologias e dados em busca de equilíbrio na subscrição de riscos. Por: Vagner Ricardo
Presidente do Conselho Diretor da CNseg e membro do Conselho de Administração da Porto, o executivo Roberto Santos examina o comportamento, os desafios e as estratégias do mercado segurador frente às emergências climáticas. Para ele, a crescente frequência e a severidade de eventos climáticos exigem uma mudança fundamental na postura dos mercados seguradores local e mundial. O ponto central é a necessidade de o setor evoluir de uma cultura “extrativista” — que simplesmente evita subscrever riscos em áreas problemáticas — para uma mentalidade “proativa”.
Ele propõe que, em vez de apenas negar cobertura para regiões com eventos climáticos recorrentes ou elevar preços, as seguradoras usem seus dados para colaborar com as autoridades públicas, a fim de construir soluções de infraestrutura que possam mitigar riscos e tornar áreas hoje excluídas de proteção novamente seguráveis. “O subscritor de risco do mercado segurador precisa ter uma mudança de mindset”, afirma.
Santos está convencido de que a inovação e as tecnologias são aliadas dessa nova abordagem exigida do mercado. Para ele, o Brasil já tem um dos mercados de seguros mais avançados do mundo no uso de tecnologia e inteligência artificial para precificação, subscrição de riscos, combate a fraudes e otimização do atendimento ao cliente. Exemplos práticos incluem o uso de dados de satélite e meteorologia para alertar clientes sobre perigos iminentes, como enxurradas ou tempestades de granizo, permitindo que eles protejam seus bens e evitem sinistros.
“O atual cenário das mudanças climáticas tira o mercado da zona de conforto, pois a perspectiva é que os eventos se tornem mais frequentes e mais severos, causando perdas. O caso mais emblemático, o das enchentes do Rio Grande do Sul no ano passado, reforça essa percepção de novas grandes tragédias ambientais”, avalia.
Para ele, o que mais chamou a atenção nesse caso foi a característica diferente em relação à severidade, porque o tempo de permanência de águas elevadas se prolongou de forma significativa, ampliando naturalmente as perdas econômicas e seguradas. “Esse novo cenário tem preocupado bastante o mercado segurador, porque reduz suas ações emergenciais para mitigar os danos das enchentes. Por isso, muitos estudos estão sendo feitos no sentido de se antecipar aos eventos climáticos severos e atenuar seus impactos”, relatou.
No mundo, o agravamento dos desastres naturais promove uma revisão de modelos de risco e a busca por soluções sustentáveis. A evolução das perdas seguradas no plano global avançou nas últimas décadas, em razão de as mudanças climáticas intensificarem uma gama de eventos extremos, como enxurradas, incêndios causados por secas prolongadas e furacões cada vez mais destruidores. Essa escalada das perdas tem provocado falência de seguradoras, principalmente em alguns estados americanos, e reduzido a acessibilidade e a disponibilidade de seguros, inclusive em países desenvolvidos. Resultado: o gap de proteção amplia no mundo.
No Brasil, a recorrência de enchentes e secas e o avanço do desmatamento elevam a pressão sobre o setor, com impactos diretos nos prêmios e nas coberturas. Ainda assim, em relação à oferta de resseguros, a situação brasileira é mais confortável do que em economias maduras. “O ressegurador ainda vê o Brasil como um ‘filé mignon’ mundial em matéria de riscos catastróficos, já que não temos terremotos nem vulcões”, afirma Roberto Santos, para quem os eventos relacionados a enchentes e secas crescentes já exigem maior atenção, porque a percepção dos resseguradores pode mudar ao longo do tempo.
LACUNA DE PROTEÇÃO
Outro desafio para ampliar a inserção de seguros no País é o comportamento do consumidor. Roberto Santos lembra que, historicamente, os brasileiros não têm o hábito de contratar seguros, seja pela falta de cultura de proteção, seja pelo poder aquisitivo limitado. “O brasileiro acredita que não vai morrer nunca. Já em países que passaram por guerras, como Japão e Alemanha, a proximidade do risco consolidou a mentalidade de proteção”, analisa.
Em termos de produtos, ele reforça que o mercado brasileiro é uma referência mundial em inovação, e isso se reflete em soluções diferenciadas. A inteligência artificial, por exemplo, já está presente em diversas frentes: da subscrição ao relacionamento com clientes. Hoje, parte dos atendimentos iniciais das seguradoras é feita por robôs que acessam bases de conhecimento em tempo real para responder com precisão às demandas. Essa tecnologia, segundo Santos, também é usada na precificação, na análise de risco e em estratégias de mitigação.
O executivo afirma também que é preciso espaço para flexibilidade e inovação no campo regulatório, destacando que boa parte dos recursos disponíveis no setor tem sido direcionada para cumprir agendas obrigatórias, como o Open Insurance, que demandam investimentos significativos em tecnologia e infraestrutura. “Esses custos disputam orçamento com iniciativas de inovação que poderiam estar dedicadas à criação de novos produtos”, afirma.
Em síntese, o futuro do setor dependerá de uma conjugação de fatores: inovação tecnológica, transformação cultural e diálogo mais efetivo com autoridades públicas. “As seguradoras não podem mais ficar restritas a reagir. Precisamos ser protagonistas na proteção e na construção de soluções”, conclui.